Brasília, desde sua construção nos anos sessenta, é a prova em concreto das complexas relações entre a cidade e a vida política: a cidade implantada em meio a uma política voluntariosa, paisagem de solitária esperança encravada no Planalto, aos poucos se converte em emblema de nossas desesperanças. Como pensar a política sem pensar a cidade? Corno falar sobre cidades esquecendo a política?

Estas relações talvez não sejam assim tão evidentes. Contudo, não é exagerado admitir-se que outros grandes temas, mais urgentes e imediatos, vinculados ao processo de redemocratização tenham tomado espaço de discussões sobre a cidade. Aos poucos, porém, a crença de que uma democracia que não se materializa em qualidade de vida torna-se vazia, formal, obrigando-nos a ver de perto a administração do cotidiano. Os militantes da idéia de uma grande transformação das relações e meios de produção aprenderam o valor de uma boa gerência da… iluminação pública! Descobre-se aos poucos que a administração de uma cidade é um dos paradigmas da política.

Nossas cidades – e Brasília é exemplar nisso – são esfinges à nossa espreita. É com esse espírito que entregamos aos nossos leitores o presente número, cheio de boas surpresas, tanto pela qualidade das contribuições que recebeu, como pelo esforço em intervir em tema tão clássico quanto por vezes esquecido. O leitor passeará pelo urbanismo, pela demografia, pela literatura, pela política e por outras tantas abordagens, alinhavadas pela vontade de que nossos problemas sejam tratados de modo mais paciente e direto, e pela esperança de que nossas cidades sejam cada vez mais orgânicas e democráticas.