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Plantas para Engenharia Natural

Editor
Delmar Bressan

Agosto de 2023

Apresentação

Nací en este pueblo,
mi poesía nació entre la colina y el río,
la lluvia tomó mi voz,
y como la madera, se empapa en los bosques.
Pablo Neruda

Há certos campos da ciência em que engenho e arte tendem a andar juntos.
A engenhosidade – representada pela ideia da construção humana – e a plasticidade – emprestada pelos elementos da natureza – podem estar perfeitamente combinadas, por exemplo, nas criações de Engenharia Natural.

Nessa composição, a vegetação é um elemento da natureza que serve para complementar as obras de engenharia, garantindo, por um lado, a estabilidade ecológica dos processos e, por outro, assegurando que aspectos estéticos sejam igualmente atendidos em cada intervenção destinada à recuperação de cursos de água.

São justamente os novos conhecimentos sobre as espécies vegetais originárias da Mata Atlântica que estão no centro da presente edição da revista Ciência & Ambiente, dedicada ao tema Plantas para Engenharia Natural.

Antes de prosseguir na descrição da obra assinada por Rita dos Santos Sousa, Paula Letícia Wolff Kettenhuber, Luciano Denardi e Fabrício Jaques Sutili, convém refazer a trajetória da disciplina de Manejo de Bacias Hidrográficas, no âmbito do Curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Santa Maria (Rio Grande do Sul, Brasil).

A referida disciplina, desde a sua criação, foi ministrada valorizando os conceitos de manejo de torrentes e de uso da vegetação para influenciar os processos fluviais e os eventos de erosão e, até certo ponto, os eventos geotécnicos da bacia hidrográfica como um todo.

Por décadas, essas ideias de intervenção apresentadas na disciplina permaneceram restritas ao ensino teórico. O desconhecimento do potencial biotécnico da vegetação nativa local parece ter sido uma das principais razões para a lenta evolução das experiências de campo, sempre inspiradas na literatura estrangeira, predominantemente centro-europeia.

Isso ficou evidente desde as primeiras tentativas de restauração de cursos de água a partir das técnicas conhecidas, ainda sem o aporte de informações sobre a vegetação local. Portanto, o principal aprendizado surgiu menos pelo sucesso parcial das intervenções e mais pelos equívocos cometidos quanto ao uso da vegetação.

A identificação dessa importante lacuna se deve ao Professor Miguel A. Durlo, então responsável pela cadeira de Manejo de Bacias Hidrográficas, no Curso de Engenharia Florestal. Sob sua orientação, tem início uma série de investigações acadêmicas, materializadas em monografias e dissertações, com vistas a desvendar as potencialidades das espécies reófitas do sul do Brasil.

Hoje, pode-se afirmar que as contribuições oriundas desses primeiros trabalhos foram de extrema valia para o progresso das intervenções em cursos de água, as quais, além de ensinadas no plano teórico, passaram a ser implantadas com sucesso em situações de campo.

Retornando à obra que ora entregamos aos leitores, cabe destacar os três grandes capítulos que a compõem: as plantas como material construtivo vivo; as soluções construtivas estruturadas sob a égide da Engenharia Natural; e as fichas técnicas de plantas com potencial de uso nas intervenções que visam a recuperação de cursos de água.
Para elucidar as eventuais dúvidas terminológicas que o leitor possa ter, os autores agregam um glossário de termos técnicos pertinentes ao tema.

No último tópico, especificamente, são descritas dezoito espécies típicas do Bioma Mata Atlântica, amplamente estudadas e testadas em situações práticas, o que comprova, de modo categórico, a importância da linha de investigação inaugurada pelo Professor Durlo e continuada pelos autores deste trabalho, entre outros.

Por fim, quando ciência e arte se fundem, nutrindo-se uma da outra, cria-se uma forma elevada de conhecimento. A Engenharia Natural, ao beber simultaneamente em uma e em outra fonte, parece reunir todas as condições para seguir esse fecundo caminho.