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Evolução Humana

Editor convidado
Paulo C. Abrantes

Junho/Julho de 2014

Editorial

Anaximandro de Mileto pensou que da água e da terra aquecidas surgiram ou peixes ou seres muito semelhantes aos peixes; nestes cresceu o homem, sob a forma de embrião retido dentro deles até à puberdade; só então os seres semelhantes a peixes se romperam e deles saíram os homens e as mulheres já capazes de se alimentarem. [1]
Muitas criaturas nasceram com rostos e seios de ambos os lados, descendentes de boi com rostos de homem, enquanto outros surgiam como descendentes de homem com cabeças de boi, criaturas compostas em parte de macho, em parte da natureza da fêmea, e providas de partes sombreadas [ou estéreis, Diels]. [2]
Onde quer que, então, tudo resultasse como teria resultado, se acontecesse com um propósito, nesse caso as criaturas sobreviviam, acidentalmente compostas de forma adequada; mas onde isto não acontecia, as criaturas morriam e ainda continuam a morrer, como Empédocles diz dos seus “descendentes de boi com rostos de homem”. [3]

O tópico das origens do Homem tem intrigado e captado a imaginação de todos os grupos culturais, que criaram vários tipos de narrativas a respeito. O que está em jogo é, nada mais nada menos, que a nossa autoimagem e uma compreensão do lugar que ocupamos na Natureza. Esse tópico tem, por isso, gerado controvérsias intensas que não surgiram, evidentemente, com a teoria de Darwin, mas se enraízam de modo profundo na história do pensamento ocidental, como demonstram as referências, em epígrafe, às ideias dos pré-socráticos Anaximandro e Empédocles. Efetivamente, será difícil encontrar um tema mais relevante para a filosofia e para as ciências do que o abordado neste número especial de Ciência & Ambiente.

Confesso que, ao receber o convite para organizá-lo, fiquei dividido entre a excitação de aceitar o desafio e o receito de não estar à altura. O primeiro sentimento prevaleceu, e cá estamos, meses depois, com este volume, que os leitores saberão julgar.

Uma das dimensões do desafio, que poderia (ou deveria) me ter paralisado, decorre da minha convicção de que a evolução humana não pode ser tratada, de forma minimamente adequada, sem a colaboração de especialistas das mais diversas áreas do conhecimento, com seus recursos conceituais e métodos próprios. Efetivamente, as diversas dimensões que esse tópico envolve impedem que possa ser abarcado, em sua complexidade, por uma área particular, ou tratado segundo uma única perspectiva.

De acordo com esse espírito, a presente edição de Ciência & Ambiente é fruto de um esforço que se pretende integrador: dele participam pesquisadores em antropologia, biologia, psicologia, filosofia, história e direito, para mencionar somente as grandes áreas em que trabalham, sem entrar em suas respectivas especialidades. Como não tinha conhecimento suficientemente amplo das pessoas que realizam pesquisas relevantes sobre essa temática em todas as suas dimensões, tive que localizá-las de diversos modos. Contei, sobretudo, com as indicações de vários colaboradores deste número especial. Seguramente outras pessoas, que não estão aqui representadas, poderiam ter dado grandes contribuições para este trabalho coletivo. Algumas delas foram efetivamente convidadas, mas, por razões diversas, não puderam aceitar a demanda. Outras não foram lembradas simplesmente por meu desconhecimento do seu trabalho; peço-lhes sinceras desculpas pela eventual omissão. De toda forma, as limitações de tamanho deste volume me impediram de ampliar, ainda mais, o número de colaboradores, que já é bastante expressivo.

Agradeço de modo especial aos que aceitaram participar deste empreendimento, pela confiança que depositaram em mim e por prestigiarem, com sua competência, a revista Ciência & Ambiente. Esses agradecimentos são extensivos aos editores do periódico, pela total liberdade que me concederam para organizar este número especial.

Pedi aos colaboradores que escrevessem os seus textos tendo em vista um público amplo, não se restringindo aos seus pares no meio acadêmico, o que exige um esforço adicional para adequar a linguagem, esclarecer os conceitos básicos e explicitar os pressupostos da sua argumentação. Espero que esta edição possa proporcionar aos leitores uma visão acurada do estado da arte e que contribua para aproximar áreas que, frequentemente, abordam o tema da evolução humana de forma estanque e com foco restrito.

Se esses objetivos forem atingidos, mesmo que de forma parcial, sentir-me-ei gratificado e terei cumprido uma missão que é própria da filosofia: a de integrar abordagens e estabelecer conexões entre diferentes áreas do conhecimento, contrapondo-se à sua fragmentação e a visões por demais estreitas da realidade.

Prof. Paulo C. Abrantes
Universidade de Brasília

1 Segundo Censorino In: Kirk, G. & Raven, J. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Gulbenkian, 1982. p. 138.
2 Empédocles segundo Eliano In: Kirk, G. & Raven, J. Op. cit. p. 349.
3 Aristóteles, Phys., B 8, 198 b 29 In: Kirk, G. & Raven, J. Op. cit. p. 349.

Artigos

NATUREZA E CULTURA
Paulo C. Abrantes

PRIMEIRAS TEORIAS SOBRE A EVOLUÇÃO HUMANA
CÉREBRO AVANTAJADO VERSUS POSTURA ERETA, DO ANTHROPITHECUS AO AUSTRALOPITHECUS
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EVOLUÇÃO HUMANA
UMA HISTÓRIA DE OSSOS E DNA

Fabrício R. Santos

HUMANITY’S ORIGINS
Bernard Wood

EVOLUÇÃO DA HISTÓRIA DE VIDA HUMANA
Pedro Da-Gloria

A INDÚSTRIA LÍTICA DOS HOMINÍNEOS DO PLIOCENO AO PLEISTOCENO
Lucas Henriques Viscardi e Maria Cátira Bortolini

WAS HUMAN EVOLUTION DRIVEN BY PLEISTOCENE CLIMATE CHANGE?
Lúcia C. Neco e Peter J. Richerson

A EMERGÊNCIA DA LINGUAGEM, DA ARTE E DO PENSAMENTO SIMBÓLICO
UM TESTE NEANDERTAL DAS HIPÓTESES EM CONFRONTO
João Zilhão

O PENSAMENTO SIMBÓLICO COMPLEXO: ORIGENS E CONTROVÉRSIAS
REFLEXÕES A PARTIR DE EVIDÊNCIAS DE ADORNOS, PRÁTICAS FUNERÁRIAS E ARTE
Claudia Rodrigues-Carvalho

BETWEEN SKEPTICS AND ADAPTATIONISTS
NEW PROSPECTS FOR HUMAN LANGUAGE EVOLUTION

Telmo Pievani

COEVOLUÇÃO GENE-CULTURA
Rafael Bisso-Machado, Tábita Hünemeier e Maria Cátira Bortolini

EVOLUÇÃO HUMANA, BIOLOGIA, CULTURA E O AMBIENTE IATROGÊNICO DA MODERNIDADE
Hilton P. Silva

PESQUISAS SOBRE EVOLUÇÃO HUMANA NO BRASIL
Francisco M. Salzano

PODEMOS CLASSIFICAR E DIVIDIR HUMANOS EM RAÇAS
Silviene Fabiana de Oliveira, Ana Carolina Arcanjo e Nilda Maria Diniz Rojas

PRÉ-HISTÓRIA DA REGIÃO DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA
Niéde Guidon

NATURALIZANDO O COMPORTAMENTO E A CULTURA
Gustavo Leal Toledo

GENTILEZA GERA GENTILEZA
A EVOLUÇÃO DA COOPERAÇÃO

Maria Emília Yamamoto, Wallisen Tadashi Hattori, Felipe Nalon Castro e Anuska Irene de Alencar

A TEORIA DOS SISTEMAS ENTRE A SOCIOLOGIA E A BIOLOGIA
Fábio Portela L. Almeida

LA TRANSICIÓN SOCIAL EN EL GÉNERO HOMO
DE LAS JERARQUÍAS DE DOMINACIÓN AL IGUALITARISMO

Carlos Arturo Plazas e Alejandro Rosas

CONFLITO E COOPERAÇÃO NA EVOLUÇÃO HUMANA
Paulo C. Abrantes