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Amazônia: Recursos Naturais e História

Editor convidado
Marcelo Leite

Julho/Dezembro de 2005

Editorial

A extensão, a exuberância, a inacessibilidade, a presença de povos ditos primitivos, entre outras particularidades, parecem emprestar à Amazônia a fertilidade necessária para que, em torno dela, floresçam lendas, mitos, idéias inusitadas e projetos espetaculares. Escritores, músicos, cineastas, artistas plásticos, cientistas, não há quem – venha de onde vier – não seja tentado a representar o universo contido nesse extraordinário domínio natural. Tais demonstrações são facilmente identificáveis.

As preciosas lendas e mitos amazônicos, por exemplo, são recriados em diversas obras literárias. Em “Cobra Norato”, um clássico do modernismo, Raul Bopp incorpora lendas como a da cobra grande. Gaúcho de nascimento, Bopp ainda retrata a natureza regional e seus mistérios em poemas, como “No Amazonas” e “Temporal Amazônico”, resultantes da vivência em Belém e de impressões de viagem. A mirabolante e trágica construção da ferrovia Madeira-Mamoré destinada a ligar “nada a parte alguma” serve, por sua vez, de cenário para Mad Maria, obra de Márcio Souza, escritor nativo de Manaus.

Heitor Villa-Lobos, carioca da gema, valeu-se admiravelmente da buliçosa mata e seus habitantes – embora não exista comprovação definitiva de que tenha conhecido a Amazônia in loco – para compor obras-primas musicais como “Amazonas”, “Uirapuru”, “Os cantos da floresta tropical”, entre tantas que perseguem a genuína alma brasileira. Diz ele: “Eu não ponho mordaça na exuberância tropical de nossas florestas e dos nossos céus, que eu transponho instintivamente para tudo que escrevo.” Werner Herzog, o visionário cineasta alemão, quase viu naufragar o seu custoso Fitzcarraldo, destinado a narrar a epopéia de um aventureiro para a construção de um teatro de ópera no meio da floresta peruana. Em cena impressionante, o irlandês Brian Fitzgerald faz com que centenas de índios arrastem um barco a vapor pelo coração da selva para atingir a outra margem de um rio, onde supostamente encontraria terras para a extração de látex. Frans Krajcberg, polonês de origem e brasileiro por opção, com suas esculturas produzidas a partir de restos de raízes e troncos calcinados por queimadas inclementes, traz à tona os exasperantes resultados da pilhagem e da destruição da floresta brasileira.

Os cientistas também mergulharam no universo da Amazônia. Para não ir tão longe na escala do tempo, basta lembrar da viagem pelos trópicos de Alexandre de Humboldt e Aimé Bonpland entre 1799 e 1804. Dela resultaram descrições de centenas de espécies até então desconhecidas e os Ensaios sobre a Geografia das Plantas de Humboldt, obra reconhecida como precursora da moderna Ecologia. Entre a aventura dos dois naturalistas e os grandes experimentos atuais – caso do LBA ou Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia –, muita água rolou por debaixo da ponte transamazônica, irrigando, de um lado, conhecimentos importantes, porém ainda incompletos, sobre a dinâmica de um vasto sistema natural marcado pela diversidade de combinações ecológicas e, na outra ponta, nutrindo certas mistificações científicas e incontinências patrióticas.

Há hoje numerosas questões que carecem de melhores respostas da ciência e dos cientistas, entre elas, o efetivo potencial econômico e ecológico do extrativismo não-madeireiro, as possibilidades de manejo da floresta em regimes sustentados de produção e o propalado papel da vegetação tropical na retirada do excesso de CO2 da atmosfera. São desafios dessa ordem que se apresentam aos pesquisadores brasileiros e estrangeiros e às instituições orientadas pelo interesse público, governamentais ou não, investidos todos da complicada tarefa de garantir a um só tempo a perpetuidade dos ecossistemas amazônicos e a potencialização de suas funções produtivas. É com esse esforço e no limite das páginas de uma revista que os editores de Ciência & Ambiente pretendem colaborar.

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