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DNA: 50 anos

Editores convidados
Luisa Massarani
Ildeu de Castro Moreira

Janeiro/Junho de 2003

Editorial

Com este número de Ciência & Ambiente, comemoramos os 50 anos da identificação da estrutura do DNA, acontecimento que viria a ter um impacto extraordinário na ciência. As conseqüências científicas, tecnológicas, econômicas e sociais foram de tal ordem que a figura da dupla hélice se tornou o ícone da ciência moderna. Ela habita o concreto e o imaginário do mundo contemporâneo, com seu profundo significado para a ciência, e transborda para as artes, o comércio, os filmes, a ficção e a cultura em geral.

Muitos foram os caminhos que conduziram à estrutura do DNA. O primeiro foi a genética clássica. Os trabalhos de Gregor Mendel sobre a hereditariedade, em 1865, permaneceram no limbo até serem refeitos, em 1900, por Hugo de Vries, Carl Correns e Erich Tschermak. Entre 1900 e 1925, uma plêiade de biólogos construiu a teoria cromossômica da hereditariedade; afirmaram o conceito de gene cientistas como Walter Sutton, Theodor Boveri, Wilhelm Johannsen, além de Thomas Morgan e seu grupo, com o estudo das drosófilas. Surgiram então a idéia do mapeamento genético e o estudo, por Hermann Müller, das mutações por raios X.

Entre os anos 1930 e 1950 predominou a concepção de que o material genético era constituído por proteínas em função de sua complexidade molecular. O DNA, identificado nos cromossomos, foi estudado em sua composição química – destacou-se aqui Phoebus Levene – mas era julgado muito simples para ser o portador da informação genética. Nesse período, escorada em novas técnicas para o estudo da matéria e nos conhecimentos emanados da física quântica, inicia-se a busca das estruturas moleculares. Entre os pioneiros se destacaram Hermann Staudinger, com o conceito de macromolécula, e William Astbury, que, apoiado nos recursos da indústria têxtil inglesa, analisou as fibras vegetais e iniciou o estudo do DNA por difração de raios X. Na linha de construção de modelos tridimensionais moleculares, Linus Pauling se tornou o cientista mais conhecido, tendo elaborado o modelo da alfa-hélice para as proteínas.
Outra contribuição decisiva veio do estudo das transformações em bactérias.

Ao experimento de Frederick Griffith, em 1928, se seguiram o de Oswald Avery e colaboradores, em 1944, e o de Alfred Hershey e Martha Chase em 1952; tais pesquisas possibilitaram uma mudança de paradigma: a molécula que contém as informações genéticas passa a ser o DNA. Nos anos 1940, aparecem os trabalhos do grupo capitaneado por Max Delbrück, que explora as ligações entre física, genética e o conceito de informação, e Erwin Schrödinger publica seu influente livro What is Life?. No início dos anos 1950, com o aprimoramento dos experimentos de difração, sedimenta-se a base para o trabalho seminal de James Watson e Francis Crick. Eles vão se beneficiar das diversas correntes de pensamento e das tradições experimentais já mencionadas para construir seu modelo de dupla hélice, em março de 1953; usaram ainda o trabalho de Erwin Chargaff sobre as proporções molares das bases no DNA.

Na revista Nature, de 25 de abril de 1953, Watson e Crick publicaram A structure for Deoxyribose Nucleic Acid. No mesmo número saíram os artigos de Wilkins, Alexander Stokes e Herbert Wilson, bem como o de Rosalind Franklin e Raymond Gosling, nos quais o modelo da dupla hélice se mostra compatível com os resultados experimentais de difração. Em maio, Watson e Crick analisaram as implicações genéticas da estrutura do DNA e sugeriram o mecanismo da replicação. O Prêmio Nobel de 1962 seria concedido a Crick, Watson e Wilkins. Rosalind Franklin, outro personagem central nesta história, já havia falecido em 1958.

A partir dos anos 1960, com o código genético decifrado, a biologia molecular entrou em fase de extraordinária expansão, que culminaria com o seqüenciamento do genoma humano em 2002. Nesse período, começaram a ser esclarecidos o papel do RNA e os mecanismos de transcrição e tradução que possibilitam a síntese das proteínas; técnicas novas e poderosas, com o auxílio do computador, automatizaram o seqüenciamento. As aplicações práticas ganharam repercussão econômica e social com os organismos geneticamente modificados, a terapia genética, a clonagem e os testes genéticos. Com eles vieram à luz sérias implicações sócio-ambientais, éticas e culturais com as quais todos nos defrontamos hoje. A visão determinista que reduz o ser humano aos genes, alertam alguns, poderia conduzir ao ressurgimento de práticas eugenistas e discriminatórias. Por outro lado, é imenso o potencial benéfico dos novos conhecimentos na medicina e na geração de novos recursos para a humanidade. A escolha dos rumos a seguir deve pertencer a todos, se queremos uma ciência que contribua efetivamente para a preservação da vida e para a evolução da sociedade humana.

Sopremos, então, as velinhas – em espiral – que comemoram a entrada definitiva do DNA na vida de todos nós.

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