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Gestão das Águas

Editor convidado
Eugenio Miguel Cánepa

Junho/Dezembro de 2000

Editorial

As narrações míticas, as concepções filosóficas e as idéias religiosas mais antigas guardam a memória ancestral do homem e manifestam as diversas tentativas que ele empreendeu para explicar as origens do cosmos, da vida e de seu processo evolutivo.

Os filósofos pré-socráticos, por exemplo, procuraram reduzir a multiplicidade observada no universo à unidade exigida pela razão, propondo uma física e uma cosmologia baseadas em realidades sensíveis que se contrapunham em pares de opostos. Assim é que Empédocles de Agrigento entendia o universo como o resultado da união (philia) ou repulsão (neikos) de quatro elementos primordiais da natureza – o fogo, a água, a terra e o ar –, sustentando que “não há nascimento para nenhuma das coisas mortais; não há fim pela morte funesta; há somente mistura e dissociação da mistura…” Antes dele, porém, Tales de Mileto havia reconhecido na água a fonte originária de tudo quanto existe. Com efeito, a maior parte das cosmogonias se refere à água como o mais antigo dos elementos: no Gênesis, o sopro ou o espírito de Deus pairava sobre as superfícies líquidas; o ovo cósmico dos brâmanes teria sido chocado no interior das águas; o deus Narayana da mitologia hindu flutuava nas águas primordiais e de seu umbigo brotava a árvore cósmica; para os egípcios o deus Kneph era representado por uma serpente, símbolo da eternidade, enroscada em torno de um vaso, a cabeça suspensa sobre a água nele contida e que o animal fecundava com um sopro. Daí a configuração da água como ser feminino e matricial e, por extensão, também leite nutridor da natureza.

No século XX, o pensador francês Gaston Bachelard revolucionou a crítica literária, construindo uma teoria do imaginário sob o signo dos quatro elementos, em que a água, solvente universal, parece ter primazia sobre os demais, com múltiplas interpretações registradas na literatura do ocidente. Águas doces, claras e correntes conotariam frescor e alegria; o lago estaria ligado, entre outras coisas, à vontade narcísica de ver e de mostrar-se; haveria a água lustral, com sua moralidade purificadora, tal qual se apresenta nos ritos batismais; águas profundas e dormentes carregariam as substâncias da noite e da morte; o líquido viscoso e pesado estaria associado ao sangue; imbuídas de caracteres femininos e de melancolia, as águas de um riacho poderiam apresentar-se como convite ao suicídio, remetendo à morte bela e desejada de Ofélia, personagem de Shakespeare; vinculado ao mito de Caronte, o barqueiro das almas, o rio definiria a morte como travessia e última viagem…

No século XXI, o universo é outro e as inquietações humanas vão além dos mitos: trata-se agora de garantir, pragmaticamente, as águas do planeta para a sobrevivência das gerações atuais e futuras. Nesse novo contexto vale lembrar, mais uma vez, o sábio aforisma de Heráclito de Éfeso, que, ilustrando em princípio a noção de fluxo universal e de inexorabilidade do tempo, parece alertar-nos, com seu estilo oracular, para o trágico destino da humanidade, caso o problema das águas não seja tomado como uma questão urgente: “No mesmo rio não há como banhar-se duas vezes.”

Artigos

LIMNOLOGIA E GERENCIAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS HÍDRICOS
AVANÇOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS
José Galizia Tundisi

SISTEMAS DE GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
ANÁLISE DE ALGUNS ARRANJOS INSTITUCIONAIS
Antonio Eduardo Lanna

O QUE É UM RIO?
Albano Schwarzbold

A AMAZÔNIA E A MORTE SOCIAL DOS RIOS
Mauro Leonel

BIOTÉCNICAS NO MANEJO DE CURSOS DE ÁGUA
Miguel Antão Durlo

ÁGUA
SUSTENTABILIDADE, USO E DISPONIBILIDADE PARA A IRRIGAÇÃO
Afranio Almir Righes

DISPONIBILIDADE, EFICIÊNCIA E RACIONALIDADE NA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS
Genesio Mario da Rosa, Mirta Teresinha Petry e Reimar Carlesso

OS COMITÊS DE BACIA NO RIO GRANDE DO SUL
UMA EXPERIÊNCIA HISTÓRICA
Luiz Antonio Timm Grassi e Eugenio Miguel Cánepa

A LEI DAS ÁGUAS NO RIO GRANDE DO SUL
NO CAMINHO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?
Eugenio Miguel Cánepa e Luiz Antonio Timm Grassi

MEIO AMBIENTE E ÁGUA
PERSPECTIVAS DE GESTÃO INTEGRADA NO RIO GRANDE DO SUL
Nilvo Luis Alves da Silva, Volney Zanardi Júnior, Maria Dolores Schuler Pineda e Márcio Rosa Rodrigues de Freitas

PROJETO RIO SANTA MARIA
A COBRANÇA COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DAS ÁGUAS
Oscar Fernando Osorio Balarine